sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Cebolas podres ou assim assim...

Quem cozinha sabe que uma cebola com uma camada podre bem no centro é a coisa mais irritante que pode encontrar enquanto prepara o jantar; aconteceu-me hoje e senti-me enganada pois a mesma apresentava uma casca exterior sem mácula e mesmo quando a descasquei, à primeira vista, nada faria prever que enquanto eu me esforçava por retirar o que não prestava na esperança de aproveitar alguma coisa ela ia minguando, minguando até me dar por vencida e verificar que não se aproveitava nada… Se isto é irritante com cebolas imagina com pessoas…
Há pessoas que são assim e, por mais que nos esforcemos por encontrar o seu “tesouro” que acreditamos estar bem escondido dentro, bem no âmago, escavamos, escavamos, mas por mais que escavemos só vamos encontrando mais e mais podridão; e não é que até nem possam ter algo que se coma, mas dão tanto trabalho que quando, depois de muito escavarmos lá encontramos o tal “tesouro” reparamos que ele é bem pequenino e sentimo-nos tão irritados e enganados que tal como na cebola só nos apetece deitar tudo fora pelo tempo precioso que nos fizeram perder.
Uma cebola podre é uma cebola podre: olhamo-la e num ápice sabemos que o seu caminho é o caixote do lixo, não nos engana, quando muito se for a última lamentamos a sorte, mas atiramo-la fora na mesma pois nada se pode aproveitar dela; uma que tenha as primeiras camadas putrefactas, mas que contenha no meio uma camada sã vale bem o trabalho de lhe retirar as camadas superficiais e sentimo-nos satisfeitos por ter tido a paciência de a livrar de uma tal capa, mas as que nos enganam com uma capa luzidia e nos fazem ter esperança nelas para nos dececionarem com uma camada intermédia contaminada, tal como as pessoas de mesmo calibre são odiosas e repelentes.
Não sei bem porquê, mas lembrei-me desta metáfora para me referir a  Nuno Abrantes Ferreira cujo discurso que destila veneno me fez ler até ao fim na esperança de lá encontrar o tal “tesouro” que como é óbvio não encontrei senão não estaria a escrever este texto. E li porque me deixei enganar pelas credenciais de professor universitário… “não pode ser” pensei, no final deve ter algum parágrafo que venha contradizer as imbecilidades que diz e fui lendo, lendo coisas como : “Cada um tem o que merece”, “O português quando nasce, nasce sempre para ser grande. Mas por qualquer razão nunca passa de mais um pequenino” ou ainda “ Parece-me uma “lapalissada” que quem é bom chega lá. E quem é menos bom fica com o que há”. Todo o discurso do princípio ao fim revela um desconhecimento tal do que é a natureza humana e do verdadeiro valor motivacional que tem sonhar, já para não falar que o velhinho debate sobre natureza versus cultura já lá vai muito atrás – percebe-se que não saiba porque passou os anos de faculdade nos copos – como o próprio refere no seu livro : “Faz o curso na maior” e que se alguma coisa de produtivo ficou desse debate é a influência imensa que tem a cultura, família, estatuto socioeconómico para aquilo que vimos a ser e não como o mesmo afirma “ os melhores chegam lá”.  
Se de alguma coisa se pode acusar os portugueses não é de sonharem grande, mas bem pelo contrário é de confiarem pouco nas suas capacidades e, pior ainda, acreditarem em imbecis como estes que de certeza hão de destruir os sonhos de muitos só para terem quem lhes passe as camisas, despeje o lixo e faça o pão… E já agora quem disse a este cretino que ninguém sonha em ser padeiro? É que o bem de sonhar é quem nem todos querem o mesmo desta vida. Por mim, dava-me por satisfeita e teria um sonho concretizado se ele fosse despedido e deixasse de contaminar a mente dos seus alunos e a  Faculdade onde leciona e, sei lá, se dedicasse a algo mais condicente com a sua cultura quem sabe a acartar baldes de massa?  

 Maria João Varela


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Praxe - Tradição respeitável ou abuso de poder? (texto de participação no jornal da Faculdade "O claustro")

Sempre, desde que me conheço, questionei o que está instituído e pensava, na minha inocência, antes de entrar na faculdade, que o ensino superior seria  o meu habitat natural, o  local  ideal de debates de ideias entre alunos, pensamento crítico, questionamento das normas e regras em vigor; nada mais ilusório, porém, e apercebi-me disso logo no meu ano de entrada quando na página dedicada aos caloiros “ousei” sugerir uma praxe diferente onde se canalizasse a imensa energia presente para ações úteis para a sociedade – à semelhança daquilo que outras Faculdades  já fazem como ações de voluntariado com recolha de alimentos, por exemplo. Vi com estupefação que, a par de outras esferas da sociedade também na Faculdade as pessoas se refugiam em termos como tradição, regras e normas de uma forma que sempre repudiei e que tem a ver com a falta total de espírito critico. Direi que a forma como o administrador da página resolveu o assunto foi pura e simplesmente retirar o meu comentário - O meu  simples "porquê?" quando me disse não pôr os "seus" caloiros  a fazer isso ( recolha de alimentos) - sem se dignar a responder-me .  Não sou contra tradições, regras ou normas sem as quais a sociedade não teria como se organizar, mas sou contra uma posição  acrítica de quem não questiona, quem não ousa pensar a sociedade onde está inserido por forma a melhorar o que está  incorreto.
Acontece que tenho observado certas práticas que vão contra os valores que me são mais queridos e que, por uma triste infelicidade, vieram a ser discutidos em praça pública com a crescente exaltação de quem defende a praxe como se se tratasse do seu clube de futebol ou religião e com uma argumentação parca e sobejamente denegatória dos factos que todo o bom observador pode constatar quando observa muitas das ditas práticas praxísticas. Contrariamente ao que se possa pensar não sou contra todas as práticas de praxe, embora rejeite liminarmente o código que lhe subjaz  e que acredito, poucos dos que se lhes submetem conhecerão, e rejeito desde logo porque numa sociedade “dita” democrática, práticas, normas, regras – grandemente violentas -  ditadas por quem não é eleito democraticamente, que têm de ser cegamente seguidas sem direito a apelo, onde abundam castigos para os detratores das mesmas, é-me completamente abominável. Para além de me preocupar sobremaneira a aceitação de hierarquias arbitrárias onde quem mais manda é quem tem mais matrículas e não por mérito , em alguma área do saber , reconhecido publicamente... Poderia citar muitos exemplos para ilustrar o meu repúdio , mas escolhi este artigo do código de praxe:
Artigo 103º
As trupes ordinárias, à excepção das trupes de Fitados, poderão levar consigo um caloiro que servirá de “cão de fila” e às quais se aplicam os seguintes preceitos:
a) O caloiro não poderá dirigir-se a alguém mas só apontar;
b) Enquanto a trupe estiver a aplicar uma sanção, o caloiro ficará automaticamente fora dela, podendo ser, entretanto, apanhado por outra trupe;
c) Se a trupe não rapar nenhum “animal” o caloiro “cão de fila” será rapado antes desta se desfazer.
d) Para efeitos do disposto no artigo 94º o caloiro não conta como elemento.
Dizem-me que as pessoas, neste caso os novos alunos –  denominados caloiros ou “bestas” -  têm a liberdade de escolher se querem ou não ser praxados, mas para mim, quando muito são impelidas para um dilema e convenhamos, a não ser que a coragem seja a sua maior virtude, é quase impossível chegar a um lugar sem conhecer ninguém, muitas vezes longe da família pela primeira vez , com necessidade de ser acolhido, querido, passível de ser aceite, numa instituição com o peso brutal das tradições que com tanto orgulho nos dizem ser  centenárias, onde todos à sua volta dizem sim, erguer a trémula voz e dizer um não redundante; mais a mais quando nos fazem crer -  explicita ou implicitamente – que para podermos aceder a toda a vida académica, convívios, festas, teremos que passar primeiro pelo crivo dos “doutores”. Convenhamos, é preciso força hercúlea para se opor a isto, sendo que, logo de seguida, quando entrosado no meio, a pessoa passa a defender a causa que foi coagido a aceitar por não conhecer outra forma de integração. Penso que outras áreas de conhecimento até poderão aceitar o tal argumento da liberdade de escolha, já em psicologia, com os estudos sobre influência maioritária em psicologia social por exemplo, entre outros, será descabido defendê-lo. Assusta-me ainda a ideia de haver jovens com medo, medo de falar, medo de se queixar - Como a Drª Catarina Martins referiu no debate Prós e Contras - com medo de sair à rua e serem praxados, ou direi antes : humilhadas, gozadas, castigadas? 

 “Só  pode falar da praxe quem a vive por dentro” ; “  São brincadeiras e nós divertimo-nos” ; “ Na minha faculdade não é assim, não fazemos estas coisas”… Oiço estas e outras “argumentações” e quanto à primeira defendo precisamente o contrário, ou seja, só quando se está a uma distância significativa - dissociado do grupo -  se pode avaliar um fenómeno imparcialmente, além do mais só quem não cumpre as ditas normas fica a conhecer o peso do castigo, assim como só quem lutava pela liberdade de expressão, pela democracia ,sofria o castigo da PIDE… Quanto ao “argumento” da diversão nada tenho a opor, sou a favor da livre expressão e do direito à livre associação embora tenha sérias reservas e me cause estupefação adultos divertirem-se com linguagem, bastas vezes, imprópria, ofensiva para si próprio e para os outros, com discurso de cariz sexual e escatológico – próprio de idades mais precoces – adotando posições de submissão ou simulando atos sexuais… ad infinitum. Causa-me, ainda, espanto as autoridades tudo permitirem desde barulho pela noite dentro que põe em causa o descanso alheio, num completo desrespeito pela lei do ruído, além de me enojar vomitado por ruas e ruelas, vandalismo variado que observo sobretudo pela altura da queima das fitas quando saio pela manhã, antes de passarem os varredores – os mesmo que não dormiram e que limpam agora o esterco de quem de regras só parece obedecer às da praxe… Sei que muitos estudantes partilham a condenação destes atos, mas sei  por experiência própria que é difícil ser uma voz contrária àquilo que é seguido pela maioria, no máximo vão-nos "às unhas" no mínimo somos postos de parte; e se este mínimo assusta!
Quanto ao terceiro ponto, ainda bem que o próprio presidente da AAC, Ricardo Morgado não  pôs a Universidade de Coimbra de fora daquilo que são práticas correntes e transversais a toda a comunidade estudantil, com raríssimas exceções como tão bem ficou documentado no filme de Bruno Cabral.
Por tudo o que ficou dito atrás  sou por uma outra integração aos novos alunos, onde sejam inseridos através de práticas mais dignificantes da natureza humana, onde sejam ajudados pelos mais velhos a compreender os trâmites da nova vida que acabaram de abarcar com convívio de alto valor cultural como música, teatro, desporto, debates que desenvolvam o espírito crítico  – atividades presentes na AAC e tantas vezes quase desconhecidas. Cabe-nos a todos os que fazem parte da Universidade de Coimbra lutar por isso e até  promover mais debates para tentar perceber por que razão em pleno século XXI, num Portugal que se diz moderno este tipo de práticas - que lembram tempos idos -  tem tanta aderência por parte dos estudantes e tanta complacência por parte do resto da sociedade. 



Maria João Varela